sábado, 23 de novembro de 2013

Sirius


 Soaram as badaladas da meia-noite no exato momento em que a chave encaixou no gatilho. Só lá estava o Punhal deitado na cama a devorar o silêncio das quatro paredes. Como tinham tido uma forte discussão há poucas horas, entrou na gruta meia apreensiva e assim permaneceu durante muito tempo sem fazer qualquer ruído.
 Enquanto via e ouvia as maiores atrocidades foi transportada para a madrugada de raios cortantes onde se despediu da sua pele. Aí também escutara inúmeros insultos e até ameaças elaboradas, mas mesmo assim teve a capacidade de se elevar e esmurrar o próprio destino. Porém, naquele momento isso foi impossível. Olhava para aquela expressão violenta e num ato de desespero pediu ao vento para rodopiar no espaço. Queria enrolar-se na enorme cama e transformar o ser cheio de medo num rouxinol. Abraça-lo profundamente no seu universo de criança e dizer-lhe que nunca mais iria engolir nenhum inseticida porque não estava sozinho. 
 Fechou os olhos com tanta força que as rugas lhe devoraram o rosto e o útero se desfez. O medo enterrou-se no seu corpo e, pela primeira vez, foi sugada pelo próprio chão.
 Quando apareceram as restantes estrelas do céu envolveram-na suavemente e adormeceram ao seu lado formando um só ponto. A noite não desceu, pois a lua petrificou, refletindo no lago sombrio a possível morte do triângulo do diamante.
De manhã cedo, o sol bateu palmas porque Sirius as arrancou daquele pesadelo. Nunca mais lá voltaram a descansar e o Punhal sem estas acabou por derreter, transformando-se num escorpião inofensivo que tenta sorrir para esconder a sua solidão e arrependimento.
Passado 13 anos, essa noite finalmente se dissolveu naquela bonita tarde tão fria. Levou-as antes para o terraço florido, onde a mestre recuperou o seu esplendor de mulher, enquanto as restantes experientam a alegria da liberdade e a esperança vestida de branco.


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