sábado, 9 de outubro de 2010

Play Without Words

Play without words



Nota: Para perceberes o texto tens de ver os dois filmes que estão no comentário.


Deparo-me com a vida em cima de um jogo de xadrez com apenas 1 jogador que podes ser tu, eu, ou qualquer ser comum. Trata-se de um indivíduo sem rosto nem qualquer expressão que o distinga, que no meio desta busca existencial procura o mesmo que todos os mortais: alegria, bem-estar, conforto, euforia, energia, estabilidade, felicidade, prazer, necessidade de mudança, sentimentos de culpa, de autopunição que muitas vezes, para certas pessoas, são necessários para atingirem certos objectivos. Esta procura é por vezes contraditória, na medida em que os sentimentos ou objectivos de vida podem ser totalmente incompatíveis, chocando frequentemente uns contra os outros à velocidade da luz, deixando então o ser humano absolutamente fragmentado, pois esta busca exaustiva do ser pode-se dividir em tantas camadas que para os mais sensíveis, susceptíveis, ou mesmo com uma capacidade de versatilidade desmesurada, pode levar à perda de identidade ou mesmo à loucura.
 Entre todas estas emoções e sensações há uma a que ninguém consegue o escapar por mais que de se esconda: o amor … Perante este cenário intrigante, fiquei com a maior das vontades de viajar neste universo misterioso. Como tal, agradeço ao mestre Samuel Beckett este jogo sem palavras:
AÇÃO: Caí no tabuleiro com a forma do personagem, o que me deixou desiludida pois preciso desesperadamente de ser eu própria, sem distorcer nenhum acontecimento nem manipular qualquer fracção de tempo, mas neste momento sou um ser comum e tenho de aceitar as regras do jogo. Estou disposta a jogar limpo. Porém, tenho variadíssimos pontos a meu favor na medida em que estudei bem a lição.
 Depois de uma análise cuidada defronto-me com um variado leque de hipóteses. Não tive acesso a nenhuma explicação sobre o “Play without words”, porém criei várias interpretações para esta lição de vida que se foca essencialmente na condição do ser humano, ou seja, nas escolhas que este faz que determinam o seu destino.
A personagem entra automaticamente num desafio existencial (Jogo), o que se comprova com o cenário da ação: jogo de xadrez. Tem como objectivo ou obstáculo inicial a busca de algo representado em forma de coração e seguidamente num quadrado.
Começarei então pela vertente que considero mais óbvia: Um individuo que procura o amor, paixão ou uma tentativa de ambos. Entra deste modo num frenesim desmedido: salta freneticamente de forma a atingir o seu obstáculo. Podemos observar que a própria vida lhe fornece determinados alicerces, ou seja, os blocos que caem milagrosamente de cima são uma espécie de ajuda ou facilidade que esta lhe proporciona. Os objectos são lhe necessários para chegar à meta esperada e no instante em que consegue finalmente tocar no coração, surge-lhe imediatamente um novo “entretenimento”: o quadrado do lado oposto. Desta forma, a figura muda de foco e tenta agarrar com a mesma energia esta “oportunidade”, a sua nova escolha. É importante ter em conta que este objecto está a um nível bastante inferior em relação ao primeiro, é portanto bem mais fácil de se atingir, o que poderá representar a facilidade ou necessidade de escolha de um outro obstáculo que não se relacione com o lado emocional. Quando a personagem consegue pegar no fio condutor da segunda premissa, toca ao de leve no coração e termina por cair no chão esmagado pelos blocos. Poderei então evocar o ditado “Quem tudo quer tudo perde”.
 Entra a segunda parte. Nesta fase a “marioneta” concentra-se apenas na segunda vontade, porque provavelmente se apercebeu que as duas realidades são incompatíveis. Constrói uma torre e consegue triunfar ao som do maravilhoso Sergey Prokofiev. É o momento alto da curta. A personagem atinge o seu objectivo no topo com o troféu de ouro e em seguida volta à plataforma, pousando assim o seu prémio nos blocos iniciais. É então que o tesouro deixa de brilhar e a personagem se despede de mãos a abanar sem olhar para trás. O abandono é muito típico do ser humano, ou seja, quando este atinge algo na sua plenitude, deixa de lhe dar o valor inicial. Estamos perante a insatisfação eterna da existência. O filme acaba com o coração a cair.
 Concluo portanto, que este pião tenha atingido um objectivo de vida que naquele momento não era de todo compatível com o lado emocional e terminada a sua missão tenha seguido em frente para outra busca, outra história. Criou assim, a sua prioridade neste jogo que não se coadunava com a primeira e perante este facto não pensou duas vezes, tanto que na última parte a personagem abandona o seu triunfo ao lado do coração que já era perfeitamente atingível, mas a verdade é que este o ignorou por completo.

Uma segunda interpretação, no meu ponto de vista mais profunda, debruça se sobre a realidade interior versus realidade exterior. A personagem entra no jogo focada numa busca intrínseca. Agora o coração não representa somente o amor mas o ser na sua essência e então, o jovem hermafrodita pretende desesperadamente chegar a si próprio, ao âmago do ser, tentado atingir o ponto-chave da existência que é metaforizado em forma de coração.
Os blocos surgem igualmente como alicerces. Podem ser interpretados como inspiração divina, apoio de amigos, família ou mesmo como trabalho individual, ou seja, valores fomentados como a persistência, ambição e determinação que nos conduzem aos nossos desejos. Quando o jogador está prestes a atingir a meta, pois toca no coração, surgem-lhe outras distracções externas e rapidamente se desvia do rumo inicial, acabando por se concentrar nessa outra realidade. Tenta à mesma abraçar os dois caminhos mas estes não se unem, acabando por ser esmagado por tudo o que construiu.
Na segunda parte, entra em cena como se nada tivesse acontecido, pois é mais fácil viver um mundo de fachada do que olhar para dentro. Como já foi esmagado pela falta de senso, pois tentou unir inutilmente as 2 realidades, foca-se somente no mundo exterior que lhe dá prazer. Aí inicia a sua luta. Vai acumulando placas de esferovite e constrói uma enorme torre de defesa que o leva à falsa plenitude da existência. É então que brilha e triunfa, pois supera o seu objectivo: não olhar a meios para atingir os fins, viver mecanicamente até conseguir algo que simplesmente o satisfaça sem mergulhar no mistério de quem é. Neste momento glorioso até a própria música e luminosidade, ao contrário da minha primeira leitura deste jogo, soam a falso, anunciando assim um triste presságio da condição trágica do ser humano.
Depois de realizar o pretendido, desce novamente para a realidade distorcida, pois está em cima de um jogo e esquece tudo o que se passou, o que se comprova claramente com o apagar total da luz do quadrado. Acaba por seguir em frente sem entusiasmo e continua o seu percurso sem hesitar, sem olhar para o coração que já estava tão à mão de semear. Desiste de uma vida profunda e introspectiva e então o coração cai. Assistimos nesta segunda rodada à história da desistência do próprio ser humano.
A terceira e última interpretação relaciona se com 2 realidades distintas. Aqui temos uma novidade: São duas personagens diferentes a participar no jogo sem palavras.
Entra a primeira, disposta a lutar por si, seja pelo amor, trabalho, família, amigos ou por algum objectivo pessoal ou sentimento que o mova e de facto a vida vai-lhe dando provas que isso é possível, fornecendo-lhe de igual modo as ferramentas que já vimos para que este se eleve de forma a concretizar mais rapidamente o seu objectivo.
 Quando está prestes a atingi-lo, distrai-se com algo oposto e desvia-se do foco inicial. É a constante insatisfação ou ambição desmedida do ser humano que muitas vezes não consegue respeitar os timmings a que está exposto e por isso fragmenta-se. Acaba por agarrar o quadrado e cair no chão, pois fez a escolha errada, não aproveitou as oportunidades que a vida lhe deu e desviou-se de si próprio.
 Na segunda parte entra uma nova personagem. Este tem à mesma 2 caminhos por onde pode seguir mas foca-se somente num: a busca individual, e então dedica-se a esta escolha de forma a concretizar essa procura sem nenhuma distracção exterior. Cria assim as suas prioridades e foca se nelas. A vida também se encarrega de o ajudar mas este próprio constrói com esforço os meios para atingir os seus fins. É então que chega ao topo da torre triunfante pois conseguiu realizar o seu objectivo. Desce vitorioso e fecha um ciclo de vida (apagar do quadrado), abandonando então o jogo para outro desafio provavelmente mais avançado. Sai triunfante de mãos a abanar, preparado para crescer e continuar a superar-se. O coração a cair poderá simbolizar as tentações que ai estiveram presentes durante todo o jogo e como foram postas de parte perderam a sua força ou então o encerrar de um capítulo.
Terminada a minha leitura quero concentrar-me apenas em mim de forma a ter a força suficiente para entrar a fundo no universo poderoso de Beckett.
  Mudo o cenário e peço ao Alejandro Amenábar que me deixe entrar a no seu filme “Mar adentro” e este dá me a sua permissão. Voo até aquela praia que me faz sonhar e sinto-me finalmente preparada para jogar sem falar.
 Descubro centenas de palavras, frases e números espalhados aleatoriamente na areia: ambição, piano, armas, paixão, loucura, aviso, confusão, bondade, intensidade, ordem, intestino, disciplina, magia, saudade, excentricidade, papoila, argila, certeza, 18, “open your eyes”, adoro-te, medo, desejo, êxtase, tapete de gato, rosa branca, personalidade, rabo redondo, gémeos, incógnito, silêncio, lábio, vento, hora, peixes, frontalidade, agressividade, tabuada dos 7, Fotocópias, ponte 25 de Abril, amizade, 1937, água, pó de arroz, bateria, ananás, insanidade mental, perdição, dor, sabor, “no hay banda, no hay orquestra”, determinação, luz, 6, foco, destino, 30, atitude, "As mãos sujas do sangue das canções", irmã, respiração,  "Os teus olhos são como um aquário", música, dor, dança, Dorian Gray, maturidade, ansiedade, boca de coração, evolução, perda, engano, tango, coragem, sino, caixão, organização, marca, borboleta, framboesas, barriga, sonho, chuva,  limite, “onde está o corpo morto?”, 4.48 pychosys, sinal, espuma, vida, pássaro, grito, olhos amarelos, interior, suspiro, “Estará morto o corpo morto?”, arte, 1992, argolas, tocar, 8, sol do bosque, exaustão, unhas, ficção, lua cheia, “ Tenho em mim todos os sonhos do mundo”, voz, picada de cegonha, cidra, vestígio, lágrima, revolta, beijo, “Todos nós nascemos loucos. Alguns permanecem", riso, viagem, cinema, palco, "Toda dança é uma substituição do sexo”, teatro, universo, renovação e infinito.
 Decifro palavras, enterro palavras, engulo palavras, dispo palavras… Construo uma torre com todas estas ferramentas e visto as palavras que estão de roxo, pois são as que mais preciso neste momento para me equilibrar.
 Quando dei por mim já tinha chegado ao topo da torre…Reuni todas as minhas qualidades, medos, facilidades e defeitos de forma a fortalecer me com a minha própria consciência, mas pergunto a mim mesma: “No meio de tantos significados onde está o amor?” Encontrei a paixão, loucura, desejo, intensidade, amizade mas o amor não veio ter comigo. “
 De repente, vejo uma enorme onda ao fundo do horizonte com um coração no centro. Olho para a praia e as fotografias que tirei dos 7 pecados mortais derretem com o sol. Ao sentir a onda vir na minha direcção penso: “ Não tenho medo do vento. Tenho medo de te encontrar” e então explodimos no oceano.  Já dentro de mim despedes-te num choro suave dizendo-me ao ouvido: “- Amo-te mais do que apenas mais um dia.”
O jogo acabou. Não sei se venci ou se perdi.





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